"A vida para ser bela, deve estar cercada de verdade, de bondade, de liberdade.
Essas são coisas pelas quais vale a pena morrer" Rubem Alves

sábado, 8 de janeiro de 2011


08/01/2011 07h35 - Atualizado em 08/01/2011 07h35

Inflação em alta faz consumidor mudar hábitos para driblar preços

Índice divulgado pelo IBGE para 2010 foi o mais alto dos últimos seis anos.
Analista destaca que brasileiro não tem o hábito de poupar.

Fabíola GleniaDo G1, em São Paulo
Na sexta-feira (7), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmou o que o consumidor já percebeu na prática: a inflação no Brasil está subindo. O G1 conversou com clientes de um supermercado e descobriu que muitos se viram obrigados a buscar alternativas para fazer a compra caber no orçamento da casa.
De acordo com os dados do IBGE, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, fechou 2010 em 5,91%, a maior taxa dos últimos seis anos.
Mauro Dunder substituiu marcas, cortou supérfluos e passou a pesquisar frutas da estação para economizar na compra do supermercadoMauro Dunder substituiu marcas, cortou supérfluos e passou a pesquisar frutas da estação para economizar na compra do supermercado (Foto: Fabíola Glenia/G1)
O professor Mauro Dunder, de 37 anos, passou a morar sozinho há dois anos e, desde então, incluiu as idas ao supermercado na sua rotina. “Os preços subiram bastante. Compro sempre as mesmas coisas e estou gastando muito mais”, diz.
Como estratégia, ele substituiu algumas marcas que estava acostumado a comprar – como a do café e a do papel higiênico. “Faço pesquisa das frutas da estação para ver o que está mais barato e também cortei supérfluos, como chocolate e bolacha.”
Sandra Benetti passou a comprar produtos de marcas mais baratas: "A gente vai se adequando", dizSandra Benetti passou a comprar produtos de
marcas mais baratas: "A gente vai se adequando",
diz (Foto: Fabíola Glenia/G1)
Quem também optou por buscar marcas similares cujos preços são mais baixos foi a administradora de empresas Sandra Benetti, de 48 anos. “Mudei a marca do açúcar. A gente vai se adequando, né”, fala. No caso das carnes – cujos preços subiram 29,64%, segundo o IBGE – Sandra disse que diminuiu o consumo e passou a comprar cortes mais baratos.
Recém chegado ao país, depois de uma temporada de dois meses nos Estados Unidos, o engenheiro Vladimir Paolon, de 72 anos, disse que ficou “abobado” com os preços do Brasil. “É um absurdo a diferença de preços do Brasil em relação aos Estados Unidos”, revela.
A empresária Sueli Maria de Almeida Oliveira, de 66 anos, não substituiu nenhuma marca, mas passou a fazer compras em outro estabelecimento. “No dia a dia, não dá mais para comprar onde eu comprava. Agora só vou quando preciso de algo mais exclusivo”, diz.
Com o carrinho cheio, ela disse que notou a variação de preços. “O café, feijão, a carne foi um absurdo...”.
Neide Biolchi, de 56 anos, que trabalha com vendas, cita sem titubear os itens que ficaram mais caros, em sua opinião. “Tudo aumentou: leite, óleo, arroz. A carne aumentou bastante. (...) Açúcar subiu muito”, destaca.
Os dados do IBGE apontam que o grupo alimentação e bebidas foi o que apresentou a maior alta em 2010, de 10,39%. A maior alta dentro do grupo foi a do feijão carioca, que subiu 63,62%, mas foi a carne quem exerceu maior pressão sobre a inflação. Também tiveram altas significativas o feijão preto (+30,08%), o açúcar refinado (+22%) e o leite pasteurizado (+18,92%).
AnalistasHá muitos fatores que forçam a alta da inflação, e o aumento da demanda é um deles. Essa alta da demanda pode ser explicada, em grande parte, por causa da queda do desemprego e do aumento da renda do brasileiro, mas há ainda um fator cultural.
Samy Dana, da FGV, diz que consumidor precisa pesquisar sempre, aprender a poupar e fugir do créditoSamy Dana, da FGV, diz que consumidor precisa
pesquisar sempre, aprender a poupar e fugir do
crédito (Foto: Divulgação)
“As pessoas acabam gastando porque nunca tiveram [tanto] acesso ao crédito”, destaca Samy Dana, professor de Finanças da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV). “E o consumidor brasileiro não está acostumado a poupar. (...) As pessoas começam a consumir sem raciocinar do ponto de vista financeiro. Isso é um perigo muito grande.”
Segundo ele, o brasileiro se acostumou ao comprar tudo “em parcelas a perder de vista”, e, de prestação em prestação, o trabalhador acaba comprometendo mais da metade do salário.
A orientação que o professor Samy Dana dá é para que o consumidor pesquise sempre. “A grande ferramenta que a gente tem a nosso favor é a internet. Pelo menos para compras substanciais, nos sites de busca, [a pessoa] consegue localizar o melhor preço. É muito comum [a loja] inflar o preço, não dar desconto, para ter impressão de juros baixos ou até mesmo ausência de juros. É preciso pesquisar”, diz.
Outra recomendação de Dana é para que o consumidor evite o crédito. “Pague tudo à vista. Isso é um começo para não dar um passo maior que a perna.”´
Para o professor da FGV, a equipe econômica deve estar atenta ao crédito. “O crédito está muito fácil. O crédito tem que ser um dos pontos de atenção que precisa ser controlado melhor para evitar a inflação”, diz. “A gente viu em outros países, a experiência americana – tudo começou assim, com crédito exacerbado.”
Pressão inflacionária
Para o professor de Finanças do curso de Administração da ESPM, Adriano Gomes, o cenário para 2011 é “um tanto desconfortável para a inflação”. A pressão de itens como alimentação, transportes (em São Paulo, por exemplo, a tarifa de ônibus subiu 11%) e despesas pessoais deve continuar forte e há outros pontos de atenção.
“O dólar foi um grande aliado na contenção da inflação. Se esse dólar, se escapar da faixa de R$ 1,70, de R$ 1,80, se pular para R$ 1,90, a gente pode ter um descontrole”, diz. Outra preocupação, na opinião de Gomes, é com o aquecimento das commodities.
O professor da ESPM critica o que chama de “lampejos de política econômica”. Para ele, é preciso deixar de lado medidas de caráter tangencial e ir ao centro do problema. “A gente tem que eliminar o déficit primário. Não há como conviver com esse desequilíbrio absurdo se não ocorrerem cortes em despesas [públicas]”, diz.
A pessoa que era manicure, hoje vai à manicure. Hoje você tem uma demanda por serviços que não existia"
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator
Para ele, em vez de “colocar o quinto PIB como obsessão”, o governo deveria se preocupar não só em cumprir a meta de inflação, como em estabelecer um valor mais baixo. “Que alguém de fato aprenda com 2010 a controlar a inflação. A gente já viveu com um fenômeno inflacionário, isso é absolutamente pernicioso para a economia. Acho essas metas inflacionárias extremamente altas. Não sei como alguém se conforma com uma meta de 4,5%”, conclui.
O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, diz que é preciso ficar de olho no preço das commodities. “O componente risco e o componente financeiro dos preços de commodities vão continuar presentes, dando volatilidade. E volatilidade é ruim”, sentencia.
Ele destaca, ainda, o risco associado ao preço de serviços, que deve seguir pressionando a inflação. “A pessoa que era manicure, hoje vai à manicure. Hoje você tem uma demanda por serviços que não existia”, lembra. No caso específico do preço de serviços há componentes imponderáveis que, muitas vezes, dificultam a substituição – como ocorre na gôndola do supermercado. O consumidor opta por determinado fornecedor de serviço por confiança, por exemplo.
Para 2011, a expectativa do analista é que a inflação fique abaixo do que foi apurado no ano que acabou – salvo imprevistos - e que a taxa de juros suba. “Esta é uma visão para 2011, sujeito a chuvas e trovoadas, literalmente, mas que se baseia no seguinte: a China não vai desacelerar; a Europa não vai acabar, mas não vai resolver seus problemas; e os Estados Unidos não vão subir seus juros.”

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