"A vida para ser bela, deve estar cercada de verdade, de bondade, de liberdade.
Essas são coisas pelas quais vale a pena morrer" Rubem Alves

sábado, 1 de maio de 2010

vale uma boa reflexão

HÉLVIO

Dia de muvuca

Laura Medioli

Costumo dizer que nos fins de semana a Pampulha é uma festa. Naturalmente, para quem vem de fora, pois para quem aqui mora é um inferno!

Enfim, mais um domingo em que levanto detonada, com o raciocínio lento e o sono atrasado. Desculpem-me se a crônica de hoje não sair como desejada.

Ontem, sábado, mais uma vez, fui obrigada a escutar, até altas horas da madrugada, um sujeito com suas músicas irritantes e muitos decibéis acima do permitido. Ligar pra polícia? Pro "Disque-Silêncio"? Nunca resolveram o meu problema, ou melhor, o nosso problema, o problema de bairros inteiros da região.

Há anos convivemos com isso e, sinceramente, cansei. Tem dias em que só consigo fechar os olhos às seis da manhã, quando os clubes e as casas de eventos resolvem desligar suas caixas acústicas e o mala do locutor resolve, finalmente, fechar a boca. É incrível como existem tantos empolgados dispostos a dizer abobrinhas durante toda a noite. Entusiasmando-se com eles próprios, costumam baixar a música para falar e, depois, retornarem com ela muitos decibéis além do suportável. Nada mais "sem noção" do que certos DJs e locutores da noite. À medida que o tempo passa, a tortura para quem está de fora aumenta: a música na estratosfera, o outro se matando no microfone, metade do povo gritando "Galoooo", a outra metade gritando "Zêeero". É incrível como que, depois de umas e outras, acabe tudo em futebol. Naturalmente porque o do microfone direcionou para isso. - E aí, moçada? Cadê a galera do Atlético? - Hêeee! E a do Cruzeiro? - Hêeeee!

E nós? Da turma do pijama, heim? Também temos direito de marcar posição. - Huuuuuuu!!! Para quem não tem o menor respeito à vizinhança, obrigada a aguentar tanta zoeira e besteirol numa única noite.

Mas, como ia dizendo, é normal, nos fins de semana, eu dormir às cinco, seis horas da manhã para acordar às sete. Explico: a festa continua de dia, quando, próximo à lagoa, montam-se estruturas monumentais com tendas e caixas de som, na organização de corridas. Nada contra. Acho isso ótimo e saudável. O problema é com o "do microfone". Aquele que, às sete da manhã, ou mesmo antes, começa: - Alô, alô!!! Som! Som!!! E, assim, vai testando o raio do equipamento até a hora do evento, geralmente, uma ou duas horas depois.

O de hoje começou seus testes às 6h49. Olhei no relógio.

E o Axé Brasil? Menos mal que aconteça somente uma vez ao ano. Com esse nem esquento mais. Já deito preparada, sabendo que, às três da manhã, provavelmente, irei escutar um "rebolation", entremeado por gritos eufóricos do locutor, parecendo vir da minha varanda.
Sabe aquelas músicas em que você, mesmo sem saber a letra, escuta uma única vez e sai repetindo? Pois é, só de falar começo a cantar a desgraça. Rebolation... Era só o que me faltava nesse domingo insone.

O último Axé, há duas semanas, foi como todos. Zoeira de manhã, de tarde, de noite e pela madrugada adentro. Meu irmão e sua esposa me contam o que fazer durante esses dias: - Antes de deitar, tome três taças de vinho tinto. Aí você apaga e pronto. Axé Brasil, só com vinho, minha filha! Aliás, é o que fazem de bom grado.

Uma amiga liga o ar-condicionado do quarto, mesmo que a noite esteja congelante. Diz que o barulho do aparelho inibe o do Mineirão. Gostaria de colocar vidros antiacústicos, que nem fez minha cunhada, mas meu marido insiste na janela aberta, as de vidro pelo menos. E, como vinho me dá dor de cabeça, o jeito é entrar na dança, ou melhor, na música. Mais um pouco, viro "expert" em música baiana.

Minhas filhas contam horrorizadas o que viram. Voltando de um aniversário, altas horas da noite, passam pelas imediações do Mineirão. O número de adolescentes alcoolizados espanta. Garotas de 15, 16 anos esparramadas nas calçadas. Um amigo, policial, relata o caso de uma jovem estuprada por um motorista de táxi. Bêbada, voltando sozinha. E eu pergunto: cadê os pais dessa garotada? Será que têm ideia do que acontece em determinados eventos? Proibir é difícil, eu sei; mas orientar e ver de perto as companhias com as quais os filhos andam é obrigação.

Voltando à zoeira "pampulhana", inesquecível a que ocorreu há alguns anos, do outro lado da lagoa. Até então, nunca tinha ouvido falar em festa rave. Na noite inteira, uma única música, com um único batimento. No dia seguinte, também. Caminhando na orla com meu marido, comentamos preocupados: - Será que o cara morreu??? Desde ontem que escuta a mesma música... O aparelho de som dever ser daqueles que, quando a música termina, automaticamente volta a tocar... 

Era impensável imaginar um bando de jovens, movidos sabe-se a lá a que, ouvindo por mais de 15 horas uma única música, a 850 decibéis de altura. Meu irmão é que veio contar a novidade. Às sete da manhã, sem conseguir dormir, pegou o carro e foi atrás. Chegou a uma casa, usualmente locada para festas, repleta de gente esparramada na calçada, que nem as do Axé. O dia claro e a música insistindo na batida única, que prosseguiu até o fim da tarde, mesmo após inúmeras e infrutíferas denúncias. Há menos de dois quarteirões, um hotel para idosos. Se nós, do outro lado da lagoa, não conseguimos dormir, imagina os velhinhos???

E, como se não bastasse a muvuca dos fins de semana, ainda querem encher de prédios a única área verde que restou da cidade... Que Deus proteja a Pampulha, nosso principal cartão-postal!




Laura Medioli também escreve no caderno Magazine, do jornal O TEMPO, às terças-feiras,laura@otempo.com.br

Publicado em: 30/04/2010

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